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Leandro Vilar

terça-feira, 11 de agosto de 2015

César Bórgia: o homem que inspirou o Príncipe de Maquiavel

"Desta forma, somando tudo o que Bórgia fez, provavelmente não posso censurá-lo. Ao contrário acho que agi certo, colocando-o como um exemplo para todos os que têm adquirido poder pela boa fortuna e pelas armas dos outros. Ele era um homem de grande coragem e de altas intenções".
 Nicolau Maquiavel


No final do século XV e começo do XVI, a Itália estava dividida numa atribulada e ferrenha disputa por terras, riquezas e poder. Embora fosse o período no qual o Renascimento se desenvolvia, onde grandes nomes das artes realizavam suas obras-primas, essa foi uma época perigosa e difícil. A Itália estava dividida em ducados, em principados, nos Estados papais e nos reinos de Nápoles e da Sicília, os quais todos se digladiavam por mais terras e poder. 

Nesse cenário artístico, mas também bélico, um homem se destacaria numa curta carreira, mas surpreendentemente avassaladora, como um dos maiores comandantes italianos, e um dos homens mais ambiciosos de seu tempo, seu nome era César Bórgia, o qual ficaria conhecido na História por sua ambição, sede de poder e atrocidades que cometeu para conseguir o que queria. Em três anos César havia conseguido conquistar terras que eram disputadas a vários anos, conseguiu consolidar sua reputação a nível não apenas da Itália, mas de Espanha e França. Tornou-se um dos homens mais poderosos de seu tempo, ao ponto de despertar a admiração de Nicolau Maquiavel, por seus feitos, o inspirando a torná-lo um dos exemplos de seu famoso livro, o Príncipe

Introdução:

Na época do Renascimento, a península Itálica era uma aglomerado de vilas, pequenas e grandes cidades, independentes ou vassalas de alguma república, reino, duque ou do papa. Nessa época, os papas eram mais líderes temporais do que espirituais, e havia quem dissesse que eles eram mais reis do que santos padres. E isso não era algo daquele momento, mas um fator que se desenvolvia em Roma há mais de um século. O político, poeta, escritor e filósofo italiano Dante Alighieri, publicou Da Monarquia (1309), obra na qual criticava o autoritarismo dos papas e da Cúria Romana sobre a política romana e assuntos terrenos. Duzentos anos depois da publicação dessa obra, a realidade na Itália no quesito político era praticamente a mesma. 

"No começo da Renascença, a Itália estava mais fragmentada do que no tempo de César: Era formada por numerosas cidades-Estados independentes, algumas das haviam adotado formas democráticas de governo. Essa tendência, porém, não durou muito tempo. As guerras varreram continuamente o país durante o século XIV e a primeira metade do século XV, com as várias cidades lutando entre si pela dominação comercial. Muitas delas caíram nas mãos de poderosos tiranos, vários dos quais condottieri. Os Estados grandes passaram a absorver os pequenos. As ditaduras substituíram as frágeis democracias e o despotismo começou a prevalecer como forma de governar". (HANEY, 1988, p. 17).


Mapa da Itália no ano de 1494, mostrando os Estados nos quais a península estava dividida. 
Tais disputas não foram algo exclusivo dos Estados laicos, os chamados Estados Papais, termo usado para designar os territórios sob o governo do papado, se intrometiam tanto nesses assuntos quanto qualquer outra república, ducado ou os dois reinos na península.

"Na época que César nasceu, os papas tinham despendido vastas parcelas de tempo, dinheiro e energia para manter a supremacia política e espiritual da Igreja em face da ameaça representada pelo Sacro Império Romano. A competição entre os dois vinha se estendendo por quinhentos anos. Durante esse período, o papado emergiu, nas palavras do historiador Roland H. Bainton, como "algo entre uma cidade-Estado italiana e um poder europeu, sem esquecer ao mesmo tempo a pretensão de ser o vice-regente de Cristo. O papa muitas vezes não conseguia resolver se era sucessor de São Pedro ou de César"". (HANEY, 1988, p. 16). 

Naquela época, a Igreja Romana era bem diferente do que hoje em dia. A maioria dos padres, bispos, arcebispos, cardeais e papas eram bastante ricos, e vinham de importantes famílias romanas ou de outros cantos da Itália e da Europa. Ter algum parente trabalhando na Igreja, era sinal de status, pois dependendo da influência da família, tal indivíduo poderia galgar posições altas como o cardinalato (que na época era o papa o responsável por eleger diretamente os cardeais), ou até mesmo se tornar papa. Ter acesso a tais cargos significava dispor de rendimentos, autoridade e poder. 

Além desse apego a riqueza, ao poder e ao luxo, os religiosos eram conhecidos por não apenas quebrarem o voto de pobreza (isso quando se fazia), mas também em não se respeitar o voto de celibato (obrigatório a todos os clérigos católicos há séculos). Mas essa obrigatoriedade, constava mais no papel do que na prática. O número de padres, bispos, cardeais e papas que mantinham amantes e tinham filhos e filhas era grande e comum. A população romana sabia descaradamente desse desrespeito ao celibato. Inclusive não era difícil encontrar algumas dessas amantes vivendo em palacetes, ou até mesmo ver algum bispo ou cardeal frequentando prostíbulos de luxo. 

Não obstante, não era incomum ver papas, participando de caçadas, planejando batalhas e guerras, e até houve caso de papas que vestiram armadura e foram para o campo de batalha, mas no intuito de defender seus interesses políticos, do que empreender uma cruzada. 

Por outro lado, havia papas que negociavam com judeus e muçulmanos, tratando principalmente de questões econômicas. De certa forma isso não era ruim, pois apresentava a tolerância religiosa com as religiões irmãs, no entanto, havia gente que desaprovava o contato com estes infiéis. 

Entretanto, falando em negócios, os próprios cargos eclesiásticos eram um grande negócio. Para galgar a hierarquia na Igreja não bastava ter apenas um nome importante, era preciso ter dinheiro e saber como jogar aquele jogo (HANAY, 1988, p. 16). Nepotismo, compra de votos, venda de cargos, corrupção, eram crimes rotineiros durante esse período da história da Igreja Romana, e até mesmo em outros momentos. Não era incomum ver cardeais ou papas favorecendo familiares, fosse dentro ou fora da Igreja. O próprio Rodrigo Bórgia, conseguiu ascender ao cargo de pontífice, porque soube a quem comprar os votos. 


Diante desse cenário de intrigas, interesses, guerras, artes, renovações intelectuais, conspirações e jogos pelo poder, César Bórgia viveu. De fato, para quem defende aquela ideia de que o "homem é fruto de seu tempo", então claramente César foi "fruto de seu tempo". 

Rodrigo Bórgia e Afonso Bórgia: 

Antes de falar propriamente de César Bórgia, é preciso comentar um pouco sobre seu pai Rodrigo e seu tio-avô Afonso, pois foi devido a influência deles, conquistada no seio da Igreja, foi que César teve todas as portas e caminhos abertos para suas ambições. 

Rodrigo Bórgia (batizado Rodrigo de Borja), nasceu em 1 de janeiro de 1435, em Xátiva, Valência, Espanha. Filho de uma respeitada família espanhola, Rodrigo viajou com seu primo Luís Juan, para a Bolonha, na Itália, onde se formaram em Direito. A Universidade de Bolonha era uma das mais respeitadas da Europa na época, sendo a mais antiga ainda em funcionamento no continente. Depois de graduar-se em Direito, Rodrigo continuou com os estudos até que aos 24 anos conseguiu a primeira grande oportunidade de sua vida. 

Seu tio materno, Afonso Bórgia (1378-1458), ao longo da vida conseguiu subir posições graças a sua desenvoltura como jurista e diplomata, trabalhando para príncipes espanhóis como Afonso V, para os antipapas Benedito XIII e Clemente VII, até finalmente ser reconhecido pelo papa Martin V por seu trabalho, o que lhe rendeu o cargo de Bispo de Valência, sua entrada na Igreja. Anos depois em 1444, o papa Eugênio IV o nomeou cardeal. 


Afonso Bórgia, trajando o hábito papal. Em seu pontificado ele adotou o nome de Calisto III.  
Com ascensão de Afonso à Cúria Romana, o novo cardeal passou a usar sua influência para favorecer sua família, neste caso ele nomeou seus sobrinhos Rodrigo e Luís Juan para os cargos de bispos. A partir de tais cargos os dois primos iniciariam sua escalada na vida eclesiástica de Roma. Em 1455, Afonso Bórgia foi eleito papa, assumindo com o nome de Calisto III, uma das suas primeiras medidas foi favorecer sua família, algo comum na época. A contragosto do cardinalato, Rodrigo e Luís Juan foram feitos cardeais no ano de 1456. 

"Nomeado cardeal em 1456, Rodrigo provou ser muito capaz. Foi como legado papal a Ancona, num dos Estados Pontifícios que tinham deixado de pagar suas taxas. Lá restabeleceu o controle da Igreja e começou a ser conhecido como administrador competente. O sucesso do sobrinho convenceu Calisto III tinha escolhido bem. Fez Rodrigo capitão do Exército papal, presidente do Supremo Tribunal da Igreja e vice-chanceler da Igreja. Membros de outras famílias receberam várias nomeações e, consequentemente, atraíram uma infinidade de amigos". (HANAY, 1988, p. 22).


Retrato de Rodrigo Bórgia, vestido como papa.
Nos trinta anos seguintes, Rodrigo serviu a mais quatro papas, atuando como vice-chanceler da Igreja, e até mesmo em questões de secretariado e diplomacia a mando destes papas, isso lhe rendeu prestígio na Cúria, mas também inveja dos outros cardeais. Na década de 1470, Rodrigo começou a ter um caso amoroso com Vannozza de Cattanei (1442-1518), uma bela mulher de 32 anos de idade, que na época era casada com o advogado Domenico da Rignano, um homem vários anos mais velho do que sua esposa. 

No entanto, esse não havia sido o primeiro caso amoroso de Rodrigo e nem o último, conhecido por sua luxúria, teve várias amantes, embora Vannozza foi a sua mais querida, lhe dando quatro filhos: GiovanniCésarLucrécia e Gioffre. Mas antes dos filhos que teve com ela, Rodrigo já havia tido um menino e duas meninas, pelo que se conhece. No entanto, é importante ser dito que Domenico sabia do adultério cometido pela esposa, mas como o cardeal Bórgia era um homem influente na Cúria, Domenico aceitou a traição em troca de favores (HANAY, 1988, p. 14). Assim, Rodrigo conseguiu arranjar emprego para Domenico na administração da Igreja, cargo que manteve até o fim de sua vida. Dessa forma, o cardeal Bórgia podia manter sem segredos o seu caso com Vannozza. 


Vannozza de Cattanei. Mãe de César Bórgia. 
O filho do papa: 

Embora César Bórgia (Cesare Bórgia) tenha nascido em setembro de 1476, dezesseis anos antes de seu pai, se tornar papa, ainda assim, ele ficaria conhecido como "filho do papa" ou "um dos filhos do papa Alexandre VI". César foi o segundo filho do relacionamento extra-conjugal entre o cardeal Bórgia e a senhora de Cattanei, seu nome foi uma homenagem ao líder romano Caio Júlio César (100-44 a.C); seu irmão mais velho, Giovanni di Candia Bórgia (1474-1497), havia nascido dois anos antes. 

César Bórgia
Na época que Giovanni e César nasceram, seu pai já dispunha de respeito, influência, riqueza e uma carreira consolidada. Os meninos viveram num requintado palácio em Roma, e tiveram uma educação das melhores na época. César teve de início uma educação humanista, tendência em alta no período da renascença; aprendeu a ler e escrever em grego e latim, o que permitiu ler as obras de Cícero, Júlio César, Tácito, HeródotoTucídides, etc. Também recebeu educação física, praticando esportes, aprendendo a caçar, cavalgar e a lutar. Graças a tal treinamento, pôde se tornar um combatente. De fato, a arte da guerra lhe interessava mais do que a arte da pregação. Em 1489, aos 14 anos de idade, foi estudar Direito canônico e civil na Universidade de Perúgia. No mesmo ano, ele foi eleito por intervenção de seu pai, ao cargo de Bispo de Pamplona, na Espanha (HANAY, 1988, p. 25). Embora tenha sido eleito bispo, mas devido a sua jovem idade, ele só tomou posse oficialmente anos depois, no entanto, passou a dispor do salário de bispo sem ao menos exercer a função, e nem se quer visitar o local de seu bispado. 

Dois anos depois, foi continuar os estudos em Direito, na Universidade de Pisa, local onde estudava Giovanni de Médici, filho de Lourenço de Médici (conhecido como Lourenço, o Magnífico), o governante de Florença, e um dos maiores mecenas do Renascimento (HANAY, 1988, p. 25). 

O ingresso na vida eclesiástica:

No ano de 1492, o papa Inocêncio VIII faleceu, então deu-se início ao conclave para se decidir a escolha do seu sucessor. Na época, cinco cardeais se candidataram ao papado: Rodrigo Bórgia, Oliviero Carafa, João da Costa, Ascanio Sforza e Giuliano della Rovere

É importante lembrar que o conclave naquela época (e há quem diga que hoje dia também) era uma disputa de coligações. Embora não haja partidos no cardinalato, existem aqueles que são mais simpatizantes de uns do que outros. Dos 31 cardeais votantes, quatro estiveram ausentes e dois eram "in pectores", eleitos, mas sem serem nomeados. Na prática eles podiam participar do conclave, mas não poderiam se candidatar ao papado e nem votarem. 

Giuliano della Rovere dispunha da simpatia de muitos dos cardeais, os quais eram da "coligação" do papa Inocêncio VIII, além de dispor do apoio de Nápoles, Veneza e da França. Por sua vez, Ascanio pertencia a nobre e tradicional família Sforza, influente em Roma, Florença, Ímola, Forlí, mas principalmente em Milão. Quanto a Rodrigo, um dos principais fatores que pesaram contra sua candidatura foi o fato de ser estrangeiro. Por séculos a maioria dos papas eleitos eram italianos, isso gerou um monopólio nacional. A Igreja ficava no coração da Itália, logo, o papa deveria ser italiano. 

Todavia, Rodrigo para não perder a dura disputa, a qual se acirrou com Giuliano e Ascanio começou a comprar os votos dos outros cardeais, inclusive tentou negociar com Ascanio sua desistência a candidatura, e vir a lhe fornecer apoio; algo que o cardeal Sforza acabou tomando escolha. Com o apoio da "coligação" que apoiava o cardeal Sforza e mais os cardeais subornados, Rodrigo Bórgia que contava com 60 anos de idade, foi eleito papa em 11 de agosto de 1492, posteriormente assumiu o nome de Alexandre VI. Mais um Bórgia havia se tornado papa.


O papa Alexandre VI retratado em oração, num afresco de Pinturicchio. 
Com a eleição de Alexandre VI, a vida de César tomou novo rumo. Se Giovanni não demonstrava capacidade e maturidade para exercer cargos eclesiásticos, César, embora fosse um homem esnobe, arrogante e petulante, ainda assim, era um homem instruído, formado em Direito canônico e civil, tendo a capacidade de exercer funções administrativas, pois os bispos, arcebispos e cardeais tinham principalmente a função de cuidar de assuntos burocráticos, relegando aos padres a pregação. 

Um mês após ser eleito papa, Alexandre VI elegeu seu filho César ao cargo de Arcebispo de Valência, na época, César tinha apenas 18 anos, sendo um dos bispos mais novos da história da Igreja Católica. Todavia, o favorecimento da família Bórgia só estava começando. Em 1493, Giovanni foi escolhido para assumir o comando dos exércitos papais, por sua vez, César foi eleito Cardeal de Valência, em 20 de setembro, aos 18 anos. Sua eleição gerou um rebuliço tremendo no Colégio de Cardeais, pois além de ser muito jovem, era filho bastardo do papa. Todavia, como cabia ao papa a palavra final, mesmo a contra-gosto de vários dos cardeais, César foi nomeado e empossado no dia 23 setembro.


Brasão de armas da família Bórgia (Borja). Quando Rodrigo foi eleito papa, na celebração, várias imagens de touros foram espalhadas por Roma. Um papa espanhol havia sido eleito. 
Não obstante, enquanto os dois irmãos seguiam cada um caminhos diferentes, Giovanni no exército e César na Igreja, os demais filhos de Rodrigo e Vannozza também eram preparados para seguir os interesses do pai. Gioffre Bórgia (1481-1516) contava com 12 anos, mas já estava sendo preparado para o casamento. Por sua vez, sua irmã, a famosa Lucrécia Bórgia (1480-1519), a qual contava com seus 13 anos, foi casada com Giovanni Sforza (1466-1510), o qual era sobrinho do cardeal Ascanio Sforza. Como Ascanio havia apoiado Rodrigo no conclave, o papa achou justo retribuir o favor, realizando esse casamento político. 


Lucrécia Bórgia, irmã de César. 
A ameaça francesa:

Mal terminava o ano de 1493, estando César em seu primeiro ano como cardeal, quando problemas chegaram a Itália. Ludovico Sforza, o duque de Milão, o qual era tio de Giovanni Sforza, estava pretendendo apoiar o rei Carlos VIII da França, no seu intuito de conquistar o trono napolitano. Embora os Bórgia estivesse ligados aos Sforza por via matrimonial, Giovanni Sforza era um mero bastardo, no entanto, o trono napolitano era mais valioso, pois os reis de Nápoles eram aliados do papa, além do fato de que Gioffre Bórgia havia casado com Sancia de Aragão (1478-1506), filha do rei Alfonso II de Nápoles

Logo, Alexandre VI se viu num dilema, apoiar os Sforza ou Nápoles? O rei francês cobrava do papa seu apoio, no intuito, de tomar o trono napolitano, mas o papa acabou preferindo apoiar o rei de Nápoles, pois Afonso II era parente do rei de Espanha, Fernando II. Neste caso, sendo sua terra natal, era preferível manter o apoio espanhol do que o francês, pelo menos naquele momento. 

"A lealdade de muitas cidades papais estava em questão, Veneza tinha se declarado neutra e Milão estava, claro, comprometida com a política pró-França. As forças à disposição do papa eram mínimas e os exércitos napolitanos, embora comandados por condottieri experientes, não seriam suficientes para derrotar os franceses". (HANAY, 1988, p. 33). 


Carlos VIII, rei da França. 
Em 31 de dezembro de 1494, o exército francês de 30 mil homens do rei Carlos VIII sitiou Roma. César que na época não dispunha de experiência e autoridade, só lhe restou obedecer as ordens de seu pai, sem contrariá-las. O papa e os cardeais que não apoiavam a invasão francesa, se refugiaram no Castelo de Sant'Angelo. O castelo foi bombardeado até que o papa declarou rendição, e se sujeitou a conceder livre passagem ao rei francês pelos Estados Papais, e perdoar os cardeais que haviam apoiado os franceses. Além disso, o papa ofereceu festas de boas-vindas e aceitou que César fosse mantido refém, enquanto o rei Carlos VIII estivesse em solo italiano (HANAY, 1988, p. 34). 

Após os festejos, a destruição, roubos e estupros, o exército francês deixou Roma e seguiu para Nápoles. Antes que chegasse, o rei napolitano havia deixado seu reino. Enquanto Carlos VIII depredava e pilhava Nápoles, celebrando sua vitória precoce, César continuava acompanhando-o como refém, mas enquanto isso, em Roma, o papa Alexandre VI secretamente enviou cartas solicitando apoio de Florença, Veneza, da Espanha e do Sacro Império Romano-Germânico. Ele acabou obtendo resposta, e assim formou-se A Santa Liga (1495). 

César disfarçado de pajem real, conseguiu abandonar o acampamento francês e retornou para Roma, onde liderou uma investida contra as tropas francesas que ali permaneceram para vigiar o papa. Era 1 de abril, quando mercenários espanhóis atacaram as tropas francesas, as derrotando. O rei posteriormente sabendo da derrota em Roma, além de ter tido problemas em Nápoles devido a indisciplina de seu exército e um surto de sífilis, decidiu retornar para Roma, a fim de ser coroado pelo papa como novo rei de Nápoles, mas ao chegar na "Cidade Eterna" deparou-se com suas defesas reforçadas graças ao envio de tropas dos aliados da Santa Liga. 


Fotografia contemporânea do Castelo de Sant'Angelo, usado na Renascença como fortaleza para os papas. 
Diante de tais defesas, o rei francês decidiu deixar Roma e retornar para a França, temendo que novos exércitos da Santa Liga, viessem barrar seu avanço, algo que de fato ocorreu em 5 de julho, próximo a Fornovo. O exército francês obteve a vitória, mas o rei preferiu retirar-se de vez para França, tentando retomar as negociações quanto ao trono napolitano, com o papado, por via diplomática. 

A renúncia a batina: 

Após evitar problemas com a invasão francesa nos dois anos anteriores, o ano de 1496, seguiu-se de forma mais calma, mas nem por isso menos polêmico. Alexandre VI era mal visto no cardinalato e na sociedade, por manter uma amante 43 anos mais jovem que ele, a bela Giulia Farnese (1474-1521), esposa de Orsino Orsini. Se não bastasse ter uma amante jovem, a mantendo por vários anos, novamente tratava-se de uma mulher casada. E para completar, o irmão mais novo de Giulia, Alessandro Farnese foi feito cardeal por Alexandre VI. Algo mal visto pelos outros cardeais, pois se não fosse suficiente o papa ter tornado seu próprio filho cardeal e arranjado cargos e empregos para sobrinhos, primos e outros parentes, agora ele favorecia até mesmo os parentes de sua amante.


Giulia Farnese, a última grande amante do papa Alexandre VI. 
Não obstante, Lucrécia se divorciou de Giovanni, primeiro porque não o amava, embora esse não foi o motivo do fim do casamento, mas seu pai achou que tal matrimônio não seria útil para seus planos. Ainda em maio 1496, Gioffre e Sancia foram para Roma, os dois eram o príncipe e princesa de Squillace, e foram recebidos com grande pompa na capital. Conta-se que César e Giovanni mantiveram casos amorosos com Sancia. 

Ainda no mesmo ano, Giovanni retornou da Espanha, sendo bem recebido pelo pai e lhe sendo dado o cargo de capitão-general da Igreja. Assim, os quatro irmãos Bórgia estavam novamente reunidos em Roma, vivendo sob a proteção do santo padre. 

Mas enquanto César vivia na Santa Sé, cuidando de seus afazeres como cardeal e administrando suas propriedades em Castres e Elne, ambos na França, Giovanni como novo comandante dos exércitos dos Estados Papais, foi enviado para lutar ao lado de Guidobaldo da Montefeltro, Duque de Urbino contra a Família Orsini, a qual era contra o papado. O imprudente e imaturo Giovanni acabou não se saindo bem nesta campanha. Primeiro, foi derrotado na Batalha de Soriano, em 24 de janeiro de 1497, alguns dizem que ele abandonou o campo de batalha como um covarde. O Duque de Urbino acabou sendo feito prisioneiro. Na tentativa de derrotar os Orsini, o cerco a cidade de Óstia, obteve êxito em março daquele ano, mas nem tanto pelo comando de Giovanni, mas pelo do comandante espanhol Gonzalo Fernández de Córdoba (HANAY, 1988, p. 37). 

Todavia, de retorno a Roma, Giovanni e Córdoba foram considerados os grandes vitoriosos, embora Giovanni pouco teve a contribuir nessa campanha. Não obstante, por ser o filho mais mimado de Alexandre VI, o papa declarou Giovanni como seu herdeiro, delegando várias de suas propriedades. Aquilo não agradou César, mas pelo fato de ser cardeal, não dispunha desse "direito" hereditário, embora que na prática, nem Giovanni poderia ter esse direito, pois as propriedades do papa foram conseguidas com dinheiro da Igreja, logo, deveriam permanecer no patrimônio dessa. 

Tal aspecto enfureceu ainda mais a oposição papal. Alexandre VI transformou deliberadamente o papado em sua "empresa", na qual delegava cargos a parentes e amigos, e favorecia descaradamente seus filhos. Embora que ele não foi nem o primeiro e nem o último papa a fazer isso. 


Giovanni (ou Juan) Bórgia, segundo Duque de Candia. 
No entanto, a reviravolta ocorreu em 16 de junho de 1497, quando um pescador retirou das águas do rio Tibre, um cadáver. Ao se fazer o reconhecimento do corpo, constatou-se que se tratava de Giovanni Bórgia. Até hoje ainda não se sabe quem o teria matado ou quem mandou matá-lo. Os candidatos para terem feito isso eram vários, principalmente membros da família Sforza e Orsini, as quais eram opositoras dos Bórgia, por outro lado, correu-se boatos de que Gioffre teria mandado matar o irmão, por descobrir seu caso com sua esposa Sancia; não obstante, César também foi apontado como suspeito, por invejar o irmão. 

Embora fosse cardeal, assumindo um cargo importante naquela época, César nunca quis vestir a batina, e com a morte do irmão, ele propôs ao pai, renunciar ao cargo de cardeal e todos os outros cargos eclesiásticos, e assumir as rédeas dos assuntos políticos e militares da família. Em 20 de agosto de 1498, sob pressão do papa, os cardeais reconheceram a renúncia de César Bórgia, Cardeal de Valência. Tal fato abalou a comunidade cristã na época, pois César havia sido o primeiro cardeal a pedir renúncia.  

O casamento: 

Estando livre das amarras eclesiásticas, César poderia legalmente se casar, tornar-se comandante militar, algo que ambicionava a alguns anos. A oportunidade de casamento não tardou a surgir. O novo rei da França, Luís XII, diferente de seu antecessor Carlos VIII, estava disposto a se aproximar do papado. Luís XII mantinha ainda a reivindicação pelas terras de Milão e Nápoles, mas queria conquistá-las de forma que favorece os interesses da Coroa francesa e do papado. Por outro lado o monarca não amava sua esposa, Joana de França, mas havia se apaixonado pela viúva do rei anterior, Ana da Bretanha, como apenas o papa tinha autoridade para conceder o divórcio, Luís XII apelou ao papa pelo divórcio, o qual foi negociado na ocasião. 


O rei Luís XII de França, tornou-se o novo aliado dos Bórgias. 
O papa havia proposto que em troca de conceder o divórcio, Luís XII deveria propor um casamento para seu filho César. Atendendo o pedido do papa, o rei apresentou como candidata a esposa, Carlota de Aragão, filha do rei Federico de Nápoles. Na ocasião, a princesa residia na corte francesa. Aceitando a candidata para o casamento, César viajou para a França, em uma rica comitiva, digna de grandes príncipes. 

Quando eles chegaram em Marselha, em outubro de 1498, os franceses ficaram surpresos pelos seguintes motivos: aquela era uma comitiva bastante pomposa, digna da realeza; no entanto, não era um príncipe que vinha nessa comitiva, mas era o filho do papa, isso causou estranheza para muitos cristãos. O papa tinha filho, e esse se vestia e era tratado como um príncipe?

Todavia, César acabou permanecendo na França mais tempo do que deveria ter imaginado. A princesa Carlota de Aragão negou-se totalmente em se casar com ele, mesmo sob pressão do rei, ela não mudou de opinião. No entanto, para não perder a oportunidade do casamento político, o monarca francês tratou de procurar uma nova pretendente para o Bórgia. Meses depois, já em maio de 1499, o rei conseguiu encontrar uma pretendente; era Carlota de Albret (1480-1514), filha de Alain de Albret, Duque de Guynenne, e irmã de João de Albret, rei de Navarra

O casamento ocorreu pouco tempo depois. Dessa união, o casal teve apenas uma filha, Luísa de Albret Bórgia. Mas além do casamento, César também conquistou do monarca francês alguns títulos nobiliárquicos, os quais lhe concederam definitivamente o ingresso a nobreza. No entanto, o título mais importante que o rei lhe deu, foi o de Duque de Valentinois e Dios. Devido a tal título, os italianos passaram a chamá-lo de Duque Valentino

Agora feito nobre e estando casado, César Bórgia tornou-se aliado do rei de França, recebendo desse um exército de 2 mil cavaleiros e um soldo de 20 mil francos de ouro, além de se tornar senhor da cidade de Asti e membro da Ordem dos Cavaleiros de São Miguel (HANAY, 1988, p. 40). 

Estando agora de posse de um pequeno exército, mas contando com o apoio direto do rei de França, César e Luís XII chegaram ao norte da Itália ainda em 1499, dando início aos planos do rei francês de se apoderar do Ducado de Milão. 


César Bórgia, agora casado e tornado Duque de Valentinois e Dios, aliou-se ao rei de França, para conquistar terras e poder para sua família. 
Aliança com os franceses: 

Em 6 de outubro de 1499, o exército francês adentrava a cidade de Milão, a qual para a felicidade do rei Luís XII, a cidade estava desguarnecida e não apresentou resistência. O Duque de Milão, Ludovico Sforza quando soube da marcha do exército francês, tratou de partir para exílio, seguindo com sua família para a Áustria. Não obstante, os milaneses que não queriam se sujeitar ao governo francês também partiram para outras nações, o que incluiu Leonardo da Vinci, que na época era protegido do duque Sforza. 

Enquanto o rei francês se admirava com a beleza de Milão, e com algumas das obras feitas por Leonardo da Vinci, César enviou uma mensagem ao sei pai, avisando que estava na Itália, munido de um exército e em companhia do rei. Alexandre VI decidiu por em prática seu primeiro plano de conquista, neste caso, o alvo seria a província da Romanha, uma das províncias mais poderosas e rebeldes dos Estados Papais. A ideia do papa era não apenas assegurar a vassalagem de tais províncias e seus senhores, a Igreja, mas também conquistá-las para a família Bórgia. 

"No caminho do Papa Alexandre VI - sequioso de erigir a grandeza do Duque, seu filho -, aos muitos obstáculos do presente sobrevirão os do futuro. O primeiro deles consistiu em não encontrar os meios de poder fazer o Duque senhor de quaisquer domínios que não fossem domínios eclesiásticos". (MAQUIAVEL, 2009, p. 31). 

Enquanto estivesse no papado, Rodrigo Bórgia queria garantir uma próspera herança para sua família, o que implicava legar para eles, províncias inteiras, mesmo que essas pertencessem aos Estados Papais (RANKE, 1943, p. 33). Tal fato não seu deu apenas pela condição daquelas terras estarem sob jurisdição romana, mas também seria uma forma pela qual os Bórgias futuramente pudessem exercer influência sobre o papado.

Catarina Sforza
Sendo assim, o primeiro alvo de César foi a cidade de Forlì, uma das mais importantes cidades da Romanha, na época, sob o governo de Catarina Sforza (1462-1509), mulher de temperamento forte, prepotente, esnobe e severo. Catarina herdou do seu casamento com Girolamo Riario (1443-1488), os títulos de Senhora de Ímola e Condessa de Forlì. Todavia, no ano de 1499, seu marido já havia falecido, e Catarina era a governante das duas cidades. Pelo fato de pertencer a família Sforza, Catarina tinha ciência das desavenças entre sua família e os Bórgias, então quando soube que César Bórgia pretendia atacar sua cidade, tentou fazer de tudo para não se render. O exército de César sitiou Forlì ainda em dezembro de 1499; de início ele ofereceu a oportunidade de rendição, mas a orgulhosa Catarina negou-se a se submeter a qualquer ordem de um Bórgia. Então deu-se início ao cerco que durou menos de um mês. Desprovida de um exército para contra-atacar, e do apoio de seus cidadãos, Catarina acabou tendo que se render em janeiro de 1500, sendo presa por César e destituída de suas cidades (HANAY, 1988, p. 45). 

Após obter a vitória em Forlì, a marcha de César para se conquistar a Romanha continuou, mas acabou sendo interrompida de forma abrupta com a notícia de que o Duque de Milão estava marchando da Áustria, para reaver seu ducado, tendo recebido o apoio de mercenários suíços e alemães. O exército francês que estava sob comando de César, foi convocado para ir a Milão, a fim de aguardar a chegada de Ludovico Sforza. César acabou optando em retornar para Roma, para rever a família. 

"A entrada triunfal de César na Cidade Eterna, em 26 de fevereiro de 1500, impressionou profundamente os embaixadores na corte papal. Não estava mais ali o jovem extravagante com quem todos eles estavam acostumados. Em seu lugar, estava agora um austero e reservado político e militar. César estava vestindo uma roupa simples de veludo negro que acentuava mais dramaticamente suas feições do que as sedas coloridas de antes. Desse ponto em diante, o preto nasceu como a cor preferida de César". (HANAY, 1988, p. 45). 


O brasão de armas de César Bórgia. No brasão nota-se a imagem do touro, símbolo da família Bórgia, e as flores-de-lis, símbolo da monarquia francesa. As duas chaves representavam a aliança entre os Bórgias e o rei francês.  
A conquista da Romanha: 

César é lembrando na História por sua severidade com os inimigos e desafetos. Embora que haja suspeitas que muitas dessas histórias possam ter sido inventadas ou exageradas, de qualquer forma, sabe-se que algumas delas foram bem reais, nas quais César mandou sequestrar, torturar e assassinar alguns homens. Embora haja-se dúvidas se ele teria mandado matar o seu irmão Giovanni, mas em julho de 1500, ele supostamente teria ordenado o assassinato de Alfonso de Aragão (1481-1500), Duque de Bisceglie e Príncipe de Salerno, o segundo marido de Lucrécia Bórgia. 


Alfonso de Aragão
Lucrécia havia se casado por interesse de seu pai, em 1498, com o nobre Alfonso Bisceglie, parente do rei de Nápoles. Todavia, Alfonso havia se aliado aos Colonna, família opositora dos Bórgias, assim como, também apresentava desafeto com a política diplomática de Alexandre VI com sua família, isso poderia vir a prejudicar os interesses do papa e de César, os quais ainda procuravam manter os napolitanos dentro de seus interesses. O motivo do seu assassinato geralmente é apontado por questões políticas, pois Alfonso tornou-se uma ameaça, já que na época vivia com Lucrécia e o filho, em Roma. Todavia, houve boatos de que o motivo também se deu por causa de ciúmes, pois César seria muito ciumento em relação a irmã, e até mesmo teria um caso incestuoso com essa. Por causa disso, ele teria mandado matar Alfonso. De qualquer forma, em 15 de julho de 1500, Alfonso foi gravemente ferido enquanto chegava a Basílica de São Pedro. Mas ele acabou sendo salvo pelos guardas, mas passou mais de um mês em recuperação, até que em agosto, um assassino chamado Micheletto Corella, o qual diziam ser o executor de César, estrangulou Alfonso em seu quarto na Torre Bórgia (os aposentos do papa e sua família na Santa Sé). Por tal fato, somado ao desafeto entre César e o cunhado, ele foi apontado como principal mandante do crime. Todavia, isso não atrapalhou em nada seus planos.

Os franceses haviam conseguido recapturar Milão e subjugar o duque Sforza, com isso, Luís XII enviou um exército para apoiar César a retomar suas campanhas na Romanha. Em setembro, os venezianos propuseram um acordo com o papa, onde cediam algumas das suas cidades na Romanha, em troca do apoio papal. Dispondo de um exército de 10 mil soldados, César deu início a sua marcha. 

Nos meses seguintes de 1500 e de 1501, César conquistou vitória atrás de vitória, fosse pelo medo gerado por seu exército e sua pessoa, que agora era vista como um poderoso comandante militar, um verdadeiro general que caminhava para se tornar um novo "Júlio César", ou fosse por sua habilidade diplomática em negociar (embora tal habilidade ainda estava longe de se igualar a de seu pai). Os Bórgias expulsaram os Sforza de Pesaro, os Malatesta de Rimini, os Manfreddi de Faenza (RANKE, 1948, p. 33); confrontaram os Orsini, os Colonna e outras importantes famílias da Romanha. 



Busto de César Bórgia na França. 
"Os líderes das cidades-Estados italianas se encaixavam em cinco categorias: senhores feudais como direitos hereditários sobre seus territórios; nobres nomeados para o comando militar que tomavam o poder; os condottieri, que frequentemente usavam as taxas que recebiam para financiar suas próprias guerras de conquistas; os ricos déspotas que governavam as repúblicas e os nobres nomeados vigários imperiais do Sacro Império Romano". (HANEY, 1988, p. 17). 

Em 15 de maio de 1501, nesta data, Alexandre VI nomeou o filho com o título de Duque da Romanha, seu segundo principal título nobiliárquico. César dedicaria alguns meses dos anos de 1502 a 1503, em administrar seu ducado, no intuito, de torná-lo um Estado modelo para toda a Itália, algo que Maquiavel comentou:

"Havendo ocupado a Romanha, e encontrado-a mal governada por senhores sem um efetivo poder - os quais haviam muito mais espoliado os seus súditos que exercido a sua administração, dando a estes razões para que vivessem na discórdia e não em coesão, a ponto de aquelas terras acharem-se assoladas por latrocínios, por arruaças e pelos mais diversos estopins da desordem -, o Duque julgou que seria necessário, para coagi-la a viver em paz e a obediência ao braço régio, dar a ela um bom governo. Para tanto, ele propôs o Senhor Remirro de Orco, homem cruel e expedito, ao qual conferiu plenos poderes. Este, em pouco tempo, restabeleceu a paz e a união naquele país, angariando um imenso prestígio". (MAQUIAVEL, 2009, p. 35).

Tal comentário sob a medida enérgica e severa que César tomou para organizar o governo romanhês, atende a opinião de Maquiavel quanto a severidade dos príncipes, na qual ele argumentava que um príncipe deveria buscar o poder e a ordem por meios lícitos, mas se fosse necessário o uso da força e do medo, tais meios não seriam descartados, pois o objetivo principal era manter a ordem no Estado, mesmo que fosse de forma severa. 

Após se tornar o novo senhor da Romanha, o rei Luís XII convidou César em ajudá-lo na sua viagem até Nápoles. O exército francês saqueou Cápua, com bastante violência, e depois cercou Nápoles. No dia 3 de agosto, César Bórgia compunha a nobre comitiva do rei da França, que adentrava a cidade napolitana. 

"Por volta do outono de 1501, a posição dos Bórgia era uma força sem precedentes. Pela primeira vez na história da Igreja, a maioria dos territórios papais estava nas mãos de uma única família. Dos principados entregues pelos Colonna, Alexandre VI conferiu o Ducado de Nepi ao infante Giovanni Bórgia, cuja paternidade ainda é um mistério, e o Ducado de Sermoneta a Rodrigo, filho de Lucrécia com Alfonso Bisceglie". (HANAY, 1998, p. 55).

O final do ano de 1501, se aproximava, e os Bórgias estavam mais poderosos do que nunca. Gioffre ainda estava casado com Sancia, assegurando o Principado de Squillace e o Ducado de Alvito, além de ainda manter por via matrimonial relação com a corte napolitana, embora ainda não tivessem tido filhos. Não obstante, Lucrécia e seu filho Rodrigo, acumulavam títulos nobiliárquicos, e em dezembro daquele ano, ela foi pedida em casamento por Afonso d'Este (1476-1534), Duque de Ferrara, Duque de Módena e de Reggio. Alexandre VI interessado num novo acordo político, aceitou o pedido de casamento do duque Afonso, e Lucrécia se casou pela terceira e última vez. Desse casamento, ela gerou cinco filhos. O ano de 1501, foi bastante proveitoso para os planos políticos dos Bórgias.


Uma taça de vinho com César Bórgia. Pintura do século XIX. Na imagem vemos César servindo vinho a um homem. Lucrécia e o papa o observavam. Na parede ao fundo se ver o brasão do papa Alexandre VI,
O general Bórgia: 

Após o êxito em se conquistar a Romanha, consolidar-se a aliança com o rei Luís XII, conseguir um bom casamento para Lucrécia com o Duque de Ferrara, César passou vários meses em Roma, enquanto se preparava para sua nova campanha. Dessa vez, os alvos eram as Marcas e o Ducado de Urbino, pequenos Estados vizinhos da Romanha. De início o Duque de Urbino, Guidobaldo da Montefeltro (1472-1508), o qual havia sido aliado dos Bórgias entre 1496-1497, estava profundamente desgostoso com a grande desfeita proporcionado por Alexandre VI. 

Em 1497, devido ao fracasso de Giovanni Bórgia em sua campanha militar, Guidobaldo foi feito prisioneiro pelos Orsini. Todavia, ele esperou que o papa lhe ajudasse, mas tal ajuda não veio e posteriormente, Giovanni recebeu os louros pela vitória que não mereceu. Para ser livre do cativeiro, a esposa de Guidobaldo teve que vender suas joias para pagar o resgate.


Guidobaldo da Montefeltro, Duque de Urbino.
Entretanto, o duque estava ciente de que César pretendia atacar as Marcas, mas se surpreendeu com o fato de que Urbino tornou-se o primeiro alvo das campanhas de César em 1502. Sem poder se defender do exército invasor, Guidobaldo preferiu fugir para exílio, abandonando Urbino.

"Foi assim, agindo por sua própria iniciativa, contando por sua própria iniciativa, contando com suas próprias forças e sem qualquer apoio estrangeiro, que César, com 27 anos, derrubou um dos mais importantes dirigentes da Itália. A brilhante organização e a perfeita noção de tempo com que executou esse golpe assombraram tanto seus aliados como seus inimigos". (HANAY, 1988, p. 57).

Após conquistar Urbino sem muito esforço, César tornou o imenso palácio de Montefeltro em seu quartel-general. Ainda naquele ano, poucos dias após sua vitória, dois embaixadores de Florença foram visitá-lo. Estes eram o bispo Francesco Soderini e Nicolau Maquiavel (1469-1527). 

Maquiavel e Leonardo: 

Foi em 24 de julho de 1502, que o renomado Nicolau Maquiavel conheceu o ambicioso, orgulhoso e poderoso César Bórgia, o qual se tornaria notícia regular em vários dos escritos de Maquiavel, e até mesmo tornou-se sua inspiração para escrever o Príncipe, livro que começou a redigir em 1503, mas concluindo apenas dez anos depois, embora que a obra somente foi publicada em 1532, após a morte do autor. 

"Descrevendo sua primeira impressão sobre César, Maquiavel escreveu: "Esse senhor é realmente esplêndido e magnífico, e na guerra não há empresa tão grande que não lhe pareça pequena. Na busca de territórios e de glória, nunca descansa nem reconhece perigo. Chega a um lugar antes que saibam que partiu de outro. É popular entre seus soldados e juntou os melhores homens da Itália. Essas coisas o fazem vitorioso e formidável, particularmente quando se acrescenta a elas a sua perpétua boa sorte". (HANAY, 1988, p. 58). 


Nicolau Maquiavel, o qual admirou-se com os feitos de César Bórgia. 
No capítulo VII, de O Príncipe, Maquiavel diz que enquanto Francisco Sforza conquistou o Ducado de Milão por meios de seus esforços e virtudes, César obteve o Ducado da Romanha através da fortuna, aqui não entendida no sentido de riqueza, mas de boa sorte. Afinal, César contava em 1502, com 26 anos, tendo iniciado sua vida militar e política há dois anos apenas. Mas essa fortuna também se deu com base em toda a experiência de seu pai em promover todas as articulações políticas para favorecer as alianças do filho. César era a mão que ordenava, mas Alexandre VI era o cérbero que comandava. 

César acabou entrando em acordo com Soderini e Maquiavel, negociando a condição que não iria atacar nenhuma cidade sob domínio da república florentina, e por sua vez, os florentinos também não deveriam invadir as terras de seu ducado. O acordo promovia a neutralidade entre os dois Estados. Não obstante, César permaneceu mais algum tempo na Romanha, antes de se retirar para Milão, a fim de dar as boas-vindas ao rei Luís XII, o qual retornava a Itália. 


Leonardo da Vinci
No entanto, no tempo que esteve a frente da administração de seu ducado, César tinha ambições de promover grandes reformas estruturais em cidades como Urbino (seu quartel-general) e Cesana (capital do ducado), para isso ele decidiu contratar um experiente arquiteto, urbanista e engenheiro civil e militar, chamado Leonardo da Vinci (1452-1519). Embora Leonardo seja lembrado mais como pintor, inventor e gênio, ele foi um exímio engenheiro militar, além de também ter projetado canais, fortalezas, pontes, estradas, casas, edificações e até cidades. César queria que Leonardo projetasse uma reforma urbanística para ser realizada em Urbino, Cesana, Rimini, Pesaro, Piombino e Ímola, além de desenhar mapas militares e projetar armas (SÁNCHEZ, 2004, p. 64). César era um senhor da guerra ambicioso, que via o futuro com grandes ideias, Leonardo foi uma acréscimo valioso para seus planos, embora que as reformas propostas por ele, não foram adiante, devido aos problemas militares e políticos pelos quais César teve que tratar. Leonardo trabalhou alguns meses para César entre os anos de 1502 e 1503, embora tenha relatado em seus diários e cadernos, que nunca tenha gostado de ter trabalhado para um homem arrogante e cruel como César Bórgia. 

Enquanto Leonardo prosseguia com suas viagens as cidades que foi incumbido de planejar reformas, César elaborava seus próximos planos, dentre os quais pretendia invadir e conquistar a Bolonha. Todavia tais planos nunca vieram a se concretizar. Em outubro de 1502, o duque recebeu uma mensagem de seu pai, informando que os inimigos da família estavam conspirando sob convite do cardeal Orsini. Nessa ocasião, Maquiavel havia voltado a se encontrar com o duque da Romanha, o qual lhe teria dito que tal momento era bastante oportuno.

"Declarou para Maquiavel: "Acredite que essa situação é vantajosa para mim. Eles não poderiam mostrar suas mãos numa hora mais inofensiva. E nem eu poderia, para fortalecer a minha posição, desejar algo mais útil. Porque nesse momento eu saberei quem são meus amigos e contra quem eu tenho de me defender". (HANAY, 1988, p. 62). 

Estando ciente da conspiração que se desenvolvia, César tratou de convocar seus cidadãos e formou um pequeno exército, da mesma forma que providenciou preparativos para reforçar suas fortalezas ao longo do ducado. Após saberem que César já estava se preparando para possíveis batalhas, os conspiradores acabaram desistindo de qualquer ofensiva, e parte deles, decidiram armar um engodo. 


Em 28 de dezembro, o Castelo de Senigallia, que estava na posse de inimigos, decidiu se render com a condição de que César fosse pessoalmente buscar as chaves. César aceitou o convite, mas marchou até Senigallia acompanhado de um exército. Os conspiradores que ingenuamente esperavam que César seria tolo o bastante para ir acompanhado apenas de uma escolta, ficaram surpresos quando ele chegou com seu exército. Na ocasião, ele prendeu cinco dos conspiradores que se encontravam ali, os jogando nas masmorras do castelo, e torturando até a morte, Oliverotto Eufreduci e Vitellozzo Vitelli, ambos os quais haviam desafiado publicamente César. Os dois morreram na madrugada de 1 de janeiro de 1503. 

Diante de tal crueldade com seus inimigos, Maquiavel escreveu o seguinte no capítulo XVII, de O Príncipe:

"César Bórgia foi reputado cruel; entretanto, a sua dita crueldade reconciliou internamente a Romanha, fê-la coesa, reconduzindo-a a um estado de paz e de fidelidade. Considerando tudo atentamente, veremos que ele foi muito mais piedoso que o povo florentino, o qual, para evitar a fama que advém da crueldade, permitiu a destruição de Pistóia. Um príncipe, portanto, para poder manter os seus súditos unidos e imbuídos de lealdade, não deve preocupar-se com esta infâmia, já que, com algumas poucas ações exemplares, ele mostrar-se-á mais piedoso que aqueles que, por uma excessiva comiseração, acabam deixando medrar a desordem da qual derivam as mortes e os latrocínios (os quais, por sua vez, soem depreciar um povo na sua totalidade), ao passo que as execuções por ele ordenadas afetam apenas o particular". (MAQUIAVEL, 2009, p. 79).

Ao longo do mês de janeiro, César prosseguiu perseguindo seus demais conspiradores e opositores, além de conquistar novas cidades e mandar matar outros de seus inimigos. Dessa forma, César ia um por um, eliminando suas principais ameaças. 

Os papas: 

Em meados de 1503, César Bórgia era senhor da Romanha, de Urbino e das Marcas, tendo conquistado tais Estados em cerca de 10 meses, algo que chocou os outros líderes italianos na época, alguns com décadas de experiência na política e na guerra, não haviam conseguido nem fazer metade do que César fez em menos de um ano. Todavia, o ano de 1503, traria reviravoltas inimagináveis para César Bórgia, prenunciando sua derrocada, pois da mesma forma que ele ascendeu tão rapidamente, sua queda também foi veloz.

Era o mês de agosto, César se encontrava em Roma, quando a cidade foi acometida por um surto de malária. Ele e seu pai foram pegos pela doença e ficaram gravemente doentes. A doença os acometeu em 12 de agosto, e seis dias depois, o papa Alexandre VI faleceu aos 72 anos. O grande apoio fornecido por seu pai estava perdido, e César iniciou uma corrida contra o tempo para evitar que caísse logo em seguida.

Devido a ter ficado semanas de cama, até estar completamente recuperado da malária, os inimigos de César aproveitaram para invadir seus domínios. Os Orsini, Colonna, Sforza, Malatesta, Vitelli e Baglioni se mobilizaram; Veneza e Florença reuniram exércitos para reaver suas cidades na Romanha; o Duque de Urbino que estava em exílio, retornou para sua capital, pois as tropas de César a haviam abandonado. Era final de agosto quando César havia se recuperado da enfermidade, mas ainda estava debilitado, além do fato de ter perdido algumas cidades e fortalezas, e parte de seu exército de mercenários ter se debandado. 

César negociou com os Colonna, para evitar que eles o traíssem, não obstante, voltou a recorrer a ajuda do rei da França, mas devido a demora dele em fornecer apoio para as pretensões do soberano francês a respeito de Nápoles, o monarca estava em descrédito com César. Não obstante, ele também tinha entre suas várias preocupações, o fato de que o novo papa deveria ser um homem o qual estivesse ao seu lado.

No final de setembro, César conseguiu manipular e comprar vários cardeais, para que elegessem Francesco Piccolomini como papa, o qual assumiu o nome de Pio III. O novo papa era partidário dos Bórgia, embora fosse um homem de 63 anos e de saúde debilitada. Pio III nomeou César capitão-general dos exércitos papais, o que concedeu autoridade e tropas para que César pudesse reaver seus domínios. 


Papa Pio III. 
Durante outubro, César começou a planejar seu retorno a Romanha para reaver suas terras, todavia, a Fortuna a qual Maquiavel disse que o acompanhava, havia definitivamente ido embora. Em 18 de outubro, após 32 dias de pontificado, Pio III faleceu. Com a morte do papa, o direito de César a capitão-general dos Estados Papais foi retirado. Aquilo deve tê-lo enfurecido bastante, pois teria que adiar seus planos, e quanto mais demorasse para agir, mais seus inimigos lhe usurpavam suas terras. 

Então um novo conclave foi convocado, o segundo daquele ano. Na disputa estava o cardeal Giuliano Della Rovere (1443-1513), antigo inimigo dos Bórgia a pelo menos vinte anos. Della Rovere foi astuto na ocasião, argumentando que quem votasse nele, ele se comprometeria em apoiar César. Sabendo que vários cardeais tinham assuntos com o Bórgia, Della Rovere utilizou isso ao seu favor, conseguindo votos para ser eleito em 1 de novembro de 1503, assumindo com o nome de papa Júlio II

César acreditava na época que Júlio II sendo um homem sensato e ambicioso, provavelmente poria de lado as desavenças entre ele e sua família, e o apoiaria, pois o papa sabia que César era um forte aliado, mas para sua infelicidade, Júlio II ordenou a prisão de César, e o obrigou a destituir-se de suas cidades e fortalezas e as passá-las para a Igreja. O papa estava decidido a por um fim a Dinastia Bórgia. 


Papa Júlio II, grande opositor dos Bórgia. 
A prisão: 

César permaneceu algumas semanas preso na Torre Bórgia, residência de seu pai e de sua família no "Vaticano". Todavia, os cardeais espanhóis e os cardeais que o apoiavam, aconselharam o papa a libertar César sobre o pretexto de que caso ele não estivesse solto, seus exércitos que ainda lhe eram fiéis, poderiam acabar se debandando por falta de um senhor, e até mesmo poderiam entregar seus domínios aos venezianos, florentinos, franceses e a outras famílias poderosas. Júlio II tinha interesse em reaver toda a Romanha e as outras terras conquistadas pelo Bórgia, perdê-las novamente, seria um duro golpe aos interesses da Igreja (HANAY, 1988, p. 77).

Em 18 de janeiro de 1504, César recebeu a proposta de liberdade, sob a condição de ceder todos os seus domínios, fortalezas e tropas. Lhe foi dado o prazo de quarenta dias para concretizar isso. Todavia, César tinha outros planos. Em 15 de abril ele foi solto, embora a contra-gosto tenha concordado com a proposta do papa Júlio II. As cidades de Cesena e Bartinoro, um dos últimos de seus territórios, haviam sido cedidos ao papado. 

"Sobreveio, então, Alexandre VI. De todos os pontífices da história, foi ele quem demonstrou o quando poderia um Papa. com a força do dinheiro ou das armas, fazer-se prevalecente, realizando, ao valer-se do Duque Valentino e aproveitando-se do ingresso dos franceses na Itália, todas aquelas ações que discorri referindo-me a César Bórgia. E, se bem que não fosse o seu intento tornar mais poderosa a Igreja e sim o Duque, ainda assim a sua ação redundou num poder maior para o papado, o qual, após a sua morte e finado o Duque, se fez herdeiro dos frutos da sua pertinaz atividade. O Papa seguinte foi Júlio, que encontrou uma Igreja poderosa, detentora de toda a Romanha, com os barões romanos eliminados, e, vitimados por Alexandre, as suas facções reduzidas a uma total inoperância. Encontrou também aberto o caminho para o acúmulo de dinheiro, jamais trilhando antes de Alexandre". (MAQUIAVEL, 2009, p. 55). 

Todavia, César estava decidido a começar desde o início. Dessa vez, não procurou a ajuda dos franceses, os quais nada fizeram para ajudá-lo durante os meses que esteve preso, então ele decidiu viajar para Nápoles e se aliar aos napolitanos e espanhóis, seus antigos rivais. Um plano demasiadamente arriscado, ousado e inusitado, mas César era conhecido por correr o risco, ser ambicioso e inusitado em suas medidas. 

"A esta altura, é preciso ter claro que um príncipe deve mostrar a cautela de jamais unir-se a um outro mais poderoso que ele com o fim de atacar terceiros, salvo se a necessidade o constrange, como antes se disse: em caso de vitória, tu te tornas o seu prisioneiro, e um príncipe deve evitar tanto quanto possa este estado de dependência face a um outro". (MAQUIAVEL, 2009, p. 110).

Os dizeres de Maquiavel caíam perfeitamente na condição de César Bórgia naquele momento. A cautela que César deveria ter tido, não existiu; ele decidiu procurar o apoio do rei de Nápoles e dos Reis Católicos de Espanha, para retomar seus interesses, mesmo que isso lhe deixasse novamente a mercê de acordos e da dependência da boa vontade dos monarcas. Por ordem do rei espanhol, César foi preso em Nápoles e levado cativo para a Espanha, sendo preso na fortaleza montanhosa de Chinchilla, em Valência (HANAY, 1988, p. 78). 


Fortaleza de Chinchilla, Valência, Espanha. César Bórgia permaneceu preso ali de 1503 a 1505. 
Enquanto esteve preso, seus familiares como sua esposa Carlota, seu cunhado João de d'Albert, rei de Navarra, e sua irmã Lucrécia Bórgia, tentaram solicitar dos monarcas espanhóis a soltura de César, mas eles não conseguiram, embora tenham conseguido melhores condições de cárcere. A medida que os meses iam passando lentamente, o Duque de Valentinois e Dios, e da Romanha, havia perdido todo o seu poder e autoridade na Itália, restando apenas a contar com seus títulos e com a ajuda de seus familiares. 

Em 1505, César tentou fugir, usando uma corda feita de lençóis, mas acabou caindo e ferindo um dos braços e o ombro. Mas devido a sua tentativa de fuga, o rei espanhol decidiu transferi-lo de prisão, o enviando para o Castelo de La Mota, na cidade de Medina del Campo. Dizia-se que na época, esse castelo era uma das melhores prisões que havia na Espanha. César permaneceu preso ali por mais de um ano. 


O imponente Castelo de La Mota. César permaneceu preso ali, entre 1505 e 1506, embora tenha conseguido fugir. 
Enquanto esteve preso em La Mota, tentava conseguir de sua irmã e de seu cunhado, a anistia ou pelo menos a liberdade. Inclusive César encabeçou um novo plano ousado, incentivar seu cunhado a se aliar ao imperador Maximiliano I, soberano do Sacro Império Romano-Germânico. César havia se cansado dos reis franceses e espanhóis, estava pensando no futuro, e esse se encontrava em um rei alemão, o qual poderia atender seus interesses. 

"Na noite de 25 de outubro de 1506, César se viu de novo descendo por uma corda na escuridão. Desta vez, entretanto, não foi a fragilidade da corda que quase lhe causou a morte. Os carcereiros de La Mota, que estavam entre os mais peritos em segurança na Espanha, descobriram a ausência de César durante a inspeção de rotina. Irromperam na cela, correram para a janela e cortaram a corda. César bateu no chão com tal violência que os cavaleiros que esperavam para levá-lo acharam que ele tinha morrido. Mas quando a figura imóvel à sua frente começou a soltar uma torrente de pragas, eles o colocaram no cavalo e desapareceram na noite". (HANAY, 1988, p. 81).

César podia ter perdido sua sorte quanto aos seus planos, mas parece que essa não lhe havia abandonado por completo. Em duas ocasiões que tentou fugir, ele caiu enquanto descia por uma torre, mas não morreu nas quedas. Tendo escapado, ele fugiu para Navarra, o reino de seu cunhado. 

A última campanha: 

Em dezembro de 1506, César chegou a cidade de Pamplona, capital do pequeno Reino de Navarra, incrustado na Espanha. Lá ele foi recebido por seu cunhado, e estava esperançoso de persuadi-lo a se unir aos seus propósitos. O rei João d'Albret já havia se mostrando interessado numa possível aliança com o Sacro Império. Na ocasião, César sugeriu ao monarca, formar um exército para se invadir as Dezessete Províncias, região rebelde do Sacro Império, que hoje compreende basicamente os atuais países da Holanda e Bélgica.


Localização do pequeno Reino de Navarra, hoje território espanhol. 
Todavia, os preparativos para uma campanha à Holanda tiveram que ser adiados, devido a revolta iniciada por Luis de Beaumonte y Luza, o qual formou um exército para desafiar a autoridade do rei. Assim se deu início a alguns meses de conflitos entre os exércitos do rei João e do conde Beaumonte. Na ocasião, César liderou parte dos exércitos de seu cunhado, usando sua experiência adquirida na Itália, todavia, os militares navarrinos eram bem diferentes dos italianos, franceses, alemães, espanhóis e suíços os quais César teve contato nos últimos anos. O exército navarrinos era menos disciplinado, equipado e treinado. Isso rendeu derrotas para ele.

Em 11 de março de 1507, César decidiu se unir ao rei, o qual aguardava em Viana, na tentativa de atacar o acampamento inimigo. Todavia, naquela noite uma forte tempestade caiu sobre o local, e César decidiu adiar o ataque. Porém, Luis de Beaumonte ordenou que um grupo de cavaleiros irrompesse pela chuva e atacasse o inimigo desprevenido. Provavelmente furioso com o que houve, César prosseguiu no combate, sendo morto por alguns dos cavaleiros. Dizem que ele foi derrubado de seu cavalo com um golpe de lança, e depois perfurado até a morte. César Bórgia morreu em combate, aos 32 anos. 

Seus restos mortais foram sepultados na Igreja de Santa Maria em Viana, Navarra. No século XVI o bispo de Navarra indignado com o sepultamento de César Bórgia, mandou remover seu corpo de lá e o sepultá-lo na rua em frente a igreja. O corpo de César permaneceu séculos ali. Há poucos anos, foi levado de volta ao seu local original dentro da igreja. Embora não tenha nascido na Espanha, mas era de família espanhola, e seus últimos anos de vida, foram em solo espanhol. 


Igreja de Santa Maria, Viana, Espanha. Aqui jaz os restos mortais de César Bórgia. 
Considerações finais: 

César Bórgia embora seja lembrado mais por sua arrogância, ambição, severidade e crueldade, não podemos negar que ele foi um exímio articulador político, negociador e comandante militar. Não chegou a ser um perito na arte na guerra, mas soube se valer de seus planos e comandantes para conquistar em questão de meses, territórios que eram disputados a vários anos. Da mesma forma que César progrediu rapidamente, sua queda também foi rápida.

Por outro lado, é preciso também salientar o papel de outros de seus familiares. Durante os quase dez anos de pontificado de Alexandre VI, o papa Bórgia foi um dos homens mais poderosos da Itália, sendo sagazmente hábil em política e diplomacia, tendo sabido como manipular interesses divergentes e até mesmo conflitantes para que o favorecessem, algo que César também fez, embora em menor escala. 

Quanto a Lucrécia, essa ganhou má fama de mulher devassa, arrogante, prepotente, esnobe, adúltera e incestuosa, mas há indagações até onde tais aspectos foram reais ou não, embora se saiba que ela possuiu amantes, e fosse arrogante e prepotente. No entanto, no seu terceiro e último casamento, ela se manteve casada até o fim da vida, dando cinco filhos para seu marido, o Duque de Ferrara. Ela também chegou a se tornar uma mecenas, patrocinando artistas e estudiosos. Faleceu no parto de seu oitavo filho. 

Giovanni Bórgia, o 2 Duque de Candia, deixou um herdeiro, o qual manteve seu ducado. Gioffre e Sancia foram casados por vários anos, mas não tiveram filhos. Giulia Farnese e Vanozza, após deixarem de ser amantes do papa, prosseguiram com suas vidas. Outros Bórgias que possuíam cargos comissionados na Igreja, ou perderam tais cargos ou ainda os mantiveram. Após a morte de César e Rodrigo, nem um outro Bórgia voltou a dispor da mesma influência, autoridade e poder na Itália. O sonho de se fundar um Principado Bórgia, morreu com ambos. 

NOTA: O papa Calisto III foi responsável por fundar o Padroado Português e o Padroado Espanhol, o qual fomentava um acordo entre a Igreja e tais reinos, delegando autorização para administrar assuntos eclesiásticos no reino. 
NOTA 2: Em 1472 o cardeal Rodrigo Bórgia foi o responsável por conceder a licença papal para que Fernando II de Aragão e Isabel de Castela, ambos primos, pudessem se casar. Vintes anos depois o casal se tornaria os monarcas de uma Espanha unificada, sendo chamados de Reis Católicos.  
NOTA 3: Os cinco papas que Rodrigo Bórgia serviu, foram: Calisto III, Pio II, Sisto IV e Inocêncio VIII. 
NOTA 4: O papa Alexandre VI foi o responsável por assinar a Bula Inter Coetera, a qual designava os limites ultramarinos entre Portugal e Espanha acerca da "descoberta" do Novo Mundo, realizada por Cristóvão Colombo em 1492. Todavia, o rei Fernando II de Espanha não aprovou as designações propostas na bula papal, então em 1494 propôs um novo acordo ao rei de Portugal, D. Manuel I, no que resultou no Tratado de Tordesilhas
NOTA 5: O papa Inocêncio VIII é conhecido por ter decretado a bula Summis desiderantes affectibus em 1484; popularmente conhecida como a "bula de caça as bruxas" ou a "bula contra a bruxaria". Nesse decreto ele autorizava que as Inquisições perseguissem, julgassem e condenassem todo homem e mulher suspeito de crimes de bruxaria e feitiçaria. 
NOTA 6: Gioffre Bórgia e Sancia de Aragão, inspiraram os nomes dos personagens literários Joffrey Baratheon e Sansa Stark, os quais na série Crônicas de Gelo e Fogo e no seriado Game of Thrones, os dois são pretendentes a casamento. 
NOTA 7: O quarto Duque de Candia, neto de Giovanni Bórgia, tornou-se o único santo da família, assumindo o nome de São Francisco de Bórgia e Aragão (1510-1572). 
NOTA 8: A história dos Bórgias influência as artes desde o século XVI, havendo vários poemas, livros, músicas, peças de teatro, filmes, quadrinhos, etc. Todavia, duas séries recentes sobre os Bórgias são: The Borgias (2011-2013), criada por Neil Jordan. A outra série é Borgia: Faith and Fear (2011-2013). 
NOTA 9: César, Rodrigo e Lucrécia são personagens do jogo Assassin's Creed: Brotherhood (2009). Neste caso, César é o principal antagonista no jogo. 

Referências Bibliográficas:
HANEY, John. César Bórgia. São Paulo, Nova Cultural, 1988. (Coleção Os Grandes Líderes). 
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Antônio Caruccio-Caporalle. Porto Alegre, L&PM, 2009. (Coleção L&PM Pocket, 110). 
RANKE, Leopold von. História de los papas en la época moderna. Tradução de Eugênio Ímaz. México, FCE, 1943. 
SÁNCHEZ, Laura García. Leonardo da Vinci. Tradução de Mathias de Abreu Lima Filho. Baueri, Girassol, 2007. (Coleção gênios da arte).

Links relacionados: 
A Itália de Maquiavel
Io, Leonardo
A história por trás de Assassin's Creed